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É indiscutível a importância dos meios de comunicação de massa e das mais recentes tecnologias comunicacionais na sociedade contemporânea, tendo em vista que, segundo Deleuze, são estas as máquinas que correspondem a este período, designado por ele como sendo uma sociedade de controlo. É a partir do seu surgimento e através de sua utilização que observamos transformações em todos os âmbitos sociais, tais como na economia, na política, na ciência e, principalmente, na subjectividade humana. A sociedade actual vive um enfraquecimento dos padrões tradicionais, determinado principalmente pelos media e pelas novas relações que daí advêem. Cada sociedade produz o seu ideal e o nosso hoje é criado pelo espectáculo dos mass media, onde o ideal se torna mais que um modelo: é um exemplo.
A mensagem dos meios de comunicação em torno dos ideais de beleza acaba por reduzir o sujeito a um corpo em evidência – socialmente aceite ou publicamente depreciado- , assim como as tecnologias de rede (como os blogs e webcams na internet) e as novas técnicas de vigilância promovem uma mudança no estatuto do olhar do outro, possibilitando uma exteriorização do indivíduo, em que o mais importante é o modo como se aparenta ser do que o que antes, na modernidade, era visto como relevante: os sentimentos, carácter, etc. Hoje, é-se o que se mostra. Portanto, para que o sujeito seja aceite pelo outro, ele deve ser visto. Os mass media, ao propagar os ideais de beleza, incita o indivíduo a sonhar estar em evidência, lugar de onde pode olhar e ser olhado. Para além do corpo cultural, surge um corpo impassível, que sofre com métodos rigorosos, constituídos por cálculos, renúncias, reconhecimento exacto sobre o peso e sobre a forma estética da imagem. Daí surgem as condições para que as pessoas, principalmente a mulher – historicamente mais cobrada do que o homem em relação à aparência – desenvolvam distúrbios relacionados à imagem corporal, entre eles os alimentares e os compulsivos. O aumento do número de ginásios, de clínicas estéticas, do consumo de produtos de emagrecimento e de beleza; o cresci-mento da preocupação com a saúde preventiva (discurso existente principalmente nos media), e o surgimento a todo o momento de revistas especializadas e programas de televisão que prometem “transformar” o indivíduo, são indícios do “funcionamento” desse novo modo de perceber o corpo. Não por
serem consequências positivas, mas por serem os lugares onde esse processo se constitui e se perpetua. Por outro lado, os transtornos alimentares, a compulsão por cirurgias plásticas, dietas e exercícios, o consumismo compulsivo, a busca por uma padronização ao mesmo tempo em que se procura uma identidade própria, a insatisfação com os resultados obtidos nas dietas, nos ginásios e nos programas de televisão, podem ser considerados “falhas” desse processo, na medida em põem em xeque a afirmativa, muitas vezes difundida pelos meios de comunicação e acreditada pelos indivíduos, de que se é feliz quando se é belo. Além disso, é importante observar a resposta dos mass media às tais falhas (publicidade a produtos de beleza em que se procura “respeitar” as diferenças entre as mulheres, reportagens que procuram mostrar os riscos de cirurgias e dietas), que acabam, em vez de atenua-las, servindo também a perpetuação e “funcionamento” do processo.
Na íntegra em: http://www.andreiamoniz.com/corpo_e_tecnologia.pdf
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